Domingos de inverno
 



Cronicas

Domingos de inverno

Miriane Willers


Acordar mais tarde nas manhãs de domingo, especialmente no inverno, é um prazer que me permito, após a intensidade da semana. Depois do amor, o banho quente e o sol no rosto. Explico: pela manhã, o sol entra pela janela do banheiro e se derrama em pura luminosidade, deixando sensação revigorante no corpo e na alma. O cheiro de café me invade e sinto-me viva, plena e tranquila.

Lareira acesa, crepitar da lenha. Esquento as mãos com a xícara fumegante. Meu cachorro apoia a cabeça em meu colo. Sensações incomparáveis, que se inscrevem na memória. Há quem reclama do frio e se encolhe. Na vida, tem gente assim em todas as estações. Prefiro aproveitar o que de bom cada passagem do tempo tem a oferecer. No inverno, tão gostoso é estar junto, perto, abraçados, aconchegados aos nossos amores.

Tem domingos que prefiro ler, horas e horas. Outros, conversar. E ainda, alguns que gosto de permanecer em silêncio, sem a obrigação da palavra, sem precisar dizer e nem fazer nada. É o dia da semana em que o chimarrão tem gosto de afeto. O almoço, o churrasco, sabor de família. A taça de vinho é apreciada com serenidade. Respirar o ar puro, admirar a roseira que floriu ontem. Abraçar minha mãe, que desafia o tempo e me agracia com sua presença forte e inspiradora. Ouvir música, caminhar no parque. Fazer uma oração na igrejinha do bairro. Meditar, agradecer. Absoluta tranquilidade e simplicidade.

Os domingos de inverno, com sol, neblina, geada ou chuva, têm peculiar poesia. São uma pausa nas atribulações da vida. Uma pausa para respirar, sem as pressões do trabalho. Folga dos prazos, dos compromissos, das leituras técnicas, das reuniões, tarefas e mais tarefas cotidianas. É tanta correria que quase esqueço quem sou, o que quero, meus sonhos, e vou me perdendo no caos da semana. Tantas fatias de tempo destinadas a coisas desimportantes. É urgente viver mais e consumir menos!

São os domingos de inverno que propiciam um intervalo para sentir a vida em todas as suas dimensões. Fechar os olhos. Respirar fundo. Deixar de lado, mesmo que momentaneamente, os acontecimentos corriqueiros: aumento do gás, oscilação no preço da gasolina, violência, acidentes no trânsito, cassação de um político, feminicídios, fraudes, corrupção, preconceito, desigualdades e tantas outras mazelas dessa sociedade doente e entorpecida. Mas é somente uma pausa. Não significa omissão e braços cruzados.

É parênteses para acalmar o coração, refletir, esquecer uma velha saudade, energizar o pensamento. Esquecer todas as coisas materiais, o ter. Apenas ser... mulher, humana, bruxa das palavras. E desacelerar os sentimentos. Nos domingos de inverno só quero sossego. São essas pausas que me permitem manter a sanidade e a alegria de estar viva, nelas eu me permito

No dia seguinte, tudo acelera de novo, enquanto o próximo domingo não chega.


Miriane Willers é advogada, professora universitária, escritora e sempre leitora da vida e dos livros. Premiada em alguns concursos literários. Publicou poesias e prosas em jornais, revistas e coletâneas. Participa do Curso Online de Formação de Escritores

 

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